quinta-feira, 10 de junho de 2010


Era abril de 1989, provavelmente em um outono menos frio que o de agora, e o jornalista, cronista e escritor (se todas não forem a mesma coisa) Caio Fernando Abreu escrevia sobre uma moça de 21 aninhos, verdes olhos, platinados cabelos e cotê demi-punk que, sem lembrar Gal, Marina ou Elis, encantava a todos (inclusive uma Marisa Monte presente na platéia) com seus agudos de cristal.
Os mesmos 21 aninhos que ela tinha na época se passaram e, por incrível que pareça, a moça rejuvenesceu. Pintou de pretos os cabelos platinados que já não têm mais nada de cotê demi-punk, colocou uma roupa de bailarina e manteve os mesmos verdes olhos. Além disso, a outra coisa que não mudou foram os olhos que a admiravam empolgados em mais uma de suas histórias, como a contar reais contos de fadas, tanto infantis quanto adultos. A moça também mantém os mesmos agudos de cristal.



No início do show, enquanto pais se agitavam para tentar descobrir de onde ela surgiria, filhos se preocupavam apenas em gritar: “Partimpim, eu te amo!”
Neste exato momento, até que nem tanto inesperadamente assim, Partimpim ilumina o palco sob uma capa de robô cor-de-rosa, dançando de um jeito meigo, ás vezes engraçado, indiscutivelmente contagiante, anunciando como será divertido aquele espetáculo, que logo se inicia com o Baile do Particundum, parceria dela e de Dé Palmeira (ex-integrante do Barão Vermelho, nome em homenagem ao personagem do desenho animado Charlie Brown).
Mal encerra-se o primeiro número e os agudos de cristal da moça voltam a brilhar bonitos em uma composição só sua, “Menina, Menino”, para em seguida dar início à sua bela performance como intérprete com a música “Saiba”, do ex-titã Arnaldo Antunes, um dos pontos altos do espetáculo, onde ela canta Hitler e Freud e todas as crianças a acompanham. Uma didática impressionante.



Enquanto desfila pelo palco, a moça improvisa instrumentos em pratos, brinquedos, até mesmo guitarras multi-coloridas e se veste de bailarina a la Edu Lobo e Chico Buarque, come o alface temperado por Augusto de Campos e passeia no trenzinho caipira do maestro Heitor Villa-Lobos e do poeta Ferreira Gullar, aqui meros amigos da criançada.
O espetáculo, à priori infantil, guarda uma nova surpresa a cada instante e eis que não mais que de repente a cantora dos verdes olhos inicia uma alucinante caçada às borboletas de Cid Campos e Vinicius de Moraes, para depois ir em direção à Alexandre, o Grande, de Caetano Veloso. Nesse número, a canção é de tal maneira transformada em brincadeira infantil que passam despercebidos aos ouvidos dos pais mais aflitos com uma possível homossexualidade de seus filhos, os versos que falam sobre os amores gays do grande guerreiro.



A moça não perdeu mesmo a ousadia, até quando canta para a criançada, em algum fundo musical de seus óculos verde e rosa de papelão ela ainda guarda leões que solta na rua, gatinhas manhosas que deixa em casa. Ao lamber sua guitarra cor-de-rosa, em uma verdadeira encarnação feminina de um Jimi Hendrix com filhos para criar, ela traz para as crianças de todas as idades um espaço lúdico para criar, brincar, imaginar, sonhar.
Porque essa moça, minha gente, é tudo isso, como afirmava Caio Fernando Abreu naqueles distantes tempos idos de 89: “a maior revelação da MPB (hein?) nesta virada brusca para os 90”, nesta virada brusca para os 2020, 2030. Adriana Calcanhotto provou que tem talento de sobra para brincar com categoria nesse cenário chamado música brasileira. Talento de sobra para uma só Partimpim. E por isso mesmo lança a 2.E quem sabe a 3. Ao encerrar o show puxando aquele coro típico da criançada ela deixa no ar uma esperança que faz esquecer possíveis pudores que se adquirem com a idade. Todos parecem dançar empolgados com a idéia: “e vamos nos ver de novo, e de novo, e de novo, e de novo, e de novo...”



Tomara. Pois ainda há tempo para uma última confissão: “Partimpim, eu também te amo.”


Raphael Vidigal

Fotos de Mauro Ferreira.

Copyright 2010 O Ovo Apunhalado *Template e layout: layla* - Imagem Banner: Salvador Dali