terça-feira, 28 de dezembro de 2010


A boca seca e os velhos olhos vermelhos voltaram de vez?
Não, porque sempre estiveram aí. São mais antigos que a ressaca de Capitu e a discussão já solucionada por Clarice Lispector sobre quem veio primeiro, se o ovo ou a galinha.
As drogas quase sempre fizeram parte da história do homem. A origem da maconha data de 2723 a.C., segundo registros da Farmacopéia Chinesa, tendo chegado na Europa por volta do século XVIII, assim como no Brasil, de acordo com documentos referentes à época das Capitanias Hereditárias.Da mesma forma, as drogas também fizeram parte da vida e obra de artistas importantes e por vezes fundamentais na história da arte.

Difícil imaginar o comedor de batatas Vincent van Gogh sem seu absinto amarelo. Difícil imaginar o infernal Rimbaud sem a fada verde. Os ácidos André Breton, Miró e Salvador Dalí sem a persistente memória do haxixe. E o que seria do sangue de poeta de Jean Cocteau sem o diabólico menino ópio? O uivo da Geração Beat colocaria o pé na estrada sem o almoço nu de LSD? Jimi Hendrix e Jim Morrison abririam as portas da percepção de William Blake? Janis Joplin se tornaria uma heroína? Charles Baudelaire sentiria o perfume das flores do mal? Hunter Thompson conheceria o Dr. Gonzo sem piteiras e mescalinas? Truman Capote sem seu bonequinho de luxo uísque teria música para camaleões? Nelson Rodrigues escreveria sobre a vida como ela é sem tabaco? Os hippies superariam a repressão sexual descrita por Freud sem seus alucinógenos? E os jovens brasileiros em tempos de AI5? Se expressariam?

Jamais saberemos. O que sabemos é que se fez arte através de ou também pelo uso dessas substâncias. Sabemos que o reggae sem a erva natural e Bob Marley encontrou seu Ponto de Equilíbrio em Natiruts e Manitu (um mundo que só quer te ver sorrir). E que Lucy continua no céu com seus diamantes e John Lennon.
Saindo do campo das artes, e retornando ao pai da psicanálise, haveria divã sem cocaína? E os sonhos? Alguém os interpretaria? E da revista Veja sem a luta pela vida de Fábio Assunção, o que seria? A polícia do Rio de Janeiro (para pegar o maior expoente do movimento) sem o tráfico de drogas, pra onde iria?
A questão é complexa, e é por isso que uma visão simplista e ingênua como a que por aí circula nas bocas molhadas de alguns cidadãos brasileiros deve ser rebatida, e mesmo que eles não queiram, debatida.

É incrível como que sob a voga da grife Tropa de Elite as pessoas aderem à visão de uma polícia que é instruída a pensar que o consumidor final da droga é o grande financiador do crime.
É tão simples dizer que aniquilados os consumidores acaba-se o tráfico como pensar que sem carros nas ruas não haveria mais poluição nem acidentes de trânsito. Os fatores são múltiplos e fazem parte de uma rede que envolve tantos outros elementos.
Mas o pior desse tipo de pensamento é o fascismo que apóia o saco plástico e vê graça no cabo de vassoura, é uma sociedade cronicamente inviável e conservadora que grita: “joga bomba na favela!”, e se estende : “nos playboys também!”
Pois bem, a exemplo dos heróis da Marvel, Capitão Nascimento, El Justiciero (tcha tcha tcha, diriam os Mutantes) das telonas vem ao mundo para cumprir sina messiânica e fazer nascer de novo os “cidadão meliante”. Ele é um homem que honra seu sobrenome e torna-se El gran ídolo da garotada, fazendo discípulos violentos e intolerantes. Pessoas que clamam por paz debaixo do céu e da terra.

É acreditando nessa didática da colher de pau, mais sofisticadamente, justiça com as próprias mãos, que perpetua-se uma guerra cadavérica centrada numa moeda única de dois lados, o de quem reprime e o de quem vende a droga. Como Romeu e Julieta, um não vive sem o outro, e assassinam-se diariamente sem perceber tratar-se de uma ação mútua.
Exatamente por essa questão, que a discussão acerca de todas as drogas, mas centrada principalmente na maconha, deixou de ser sobre os efeitos que acomete o indivíduo que a consome e passou a ser sobre o efeito que consome a sociedade que a comete, já que é crime.
Para alguns o Brasil ainda é o país do Ame-o ou deixe-o. Assim sendo, sob essa visão criminosa que o problema ganhou, os legalistas de plantão repreendem o uso da maconha com a Constituição Federal nas mãos, agindo de maneira tão veemente como quando dirigem seus carros logo após saborearem aquele delicioso bombom de licor holandês.

O problema maior é o glamour e a conveniência. Pois pecados menos originais como adquirir ingresso na mão de cambista, usar falsa carteira de estudante e comprar filmes e CDs piratas não são vistos da mesma maneira pelos mesmos olhos não vermelhos. Trata-se de um ambiente muito pop para a marginalizada maconha. A ilegalidade garantiu-lhe status de subversiva, atrelando seu uso à violência, ao contrário do que acontece com os brega-chiques cigarro e cerveja. Júlio Bressane, Cleópatra e Nietzsche não entram em Hollywood, a não ser sob vaias ou então chorando.
Pois Veja só você que a edição da revista que traz um anti-comunista Barack Obama na capa, informa que a proposta do falecido Nobel de Economia Milton Friedman, defendida na década de 70, volta a ganhar força na ONU perante o inquestionável fracasso do “mundo livre de drogas” proposto em 1998, a legalização.
A proibição em algumas cidades da Marcha da Maconha não impediu que Fernando Henrique Cardoso, e César Gaviria, ex-presidente da Colômbia, fossem taxativos ao afirmar que as políticas de combate ao tráfico de drogas na América Latina não funcionaram.

Outra alegação em favor da descriminalização da maconha proposta pela comissão encabeçada pelos dois e composta por outros ex-presidentes da região, é a de que o usuário de maconha deve ser tratado como doente, não como criminoso, pois trata-se de uma questão pertencente à esfera da saúde pública e que migrou para a violência urbana. Mas não é só isso, eles admitem os danos que podem ser causados pelo uso, e inferem que é necessário concomitantemente com a descriminalização, um conjunto de políticas de prevenção, como o atendimento assistencial com o intuito de reduzir os riscos de overdose, AIDS e outras doenças.
No cinema, quando se decide a classificação etária de um filme divide-se os critérios para encaixá-lo naquela categoria, como sexo, drogas e violência. Drogas e violência possuem uma categoria individual cada. No Brasil a proibição as coloca como farinha do mesmo saco.
Seguindo o raciocino de FHC na revista Veja, dessa maneira os governos poderiam taxar e regulamentar o comércio, tirando-o das mãos dos traficantes e diminuído a violência associada à disputa por mercados consumidores. Com esse dinheiro, financiariam programas de tratamento de dependentes e educariam seus cidadãos sobre os malefícios dos entorpecentes.

Outro dado importante a favor da tese é a observação do que foi feito em países que adotaram ou não essa política. Na Holanda, apenas 5% dos habitantes fazem uso da substância, menos da metade verificada na Suíça, Itália e Espanha. Nos Estados Unidos, a forte repressão policial não impede que o país continue em primeiro no ranking de maior consumidor mundial de drogas.
Com essa posição, Fernando Henrique Cardoso e sua comissão se juntam a outros nomes que há mais tempo proclamam o mesmo mantra, casos de Fernando Gabeira, José Padilha, Fernando Meirelles, Ney Matogrosso, Soninha Francine, Marcelo D2 e Roberto Frejat, que defende que “em toda a história o homem sempre fez uso de substâncias que lhe permitiriam alcançar novos estados de consciência. A proibição não põe fim a isso e é preciso discutir o assunto.”

De fato, ele tem razão. Em toda a história e até hoje. Mesmo os tidos como campeões de saúde, os esportistas, têm dado uma derrapada na pista ao som de Reggae e mister Freud. Que o diga o olímpico Michael Phelps e o beatificado Maradona.
O idealismo ainda é a maneira mais burra de se pensar, portanto não se trata disto, e sim de uma análise crítica dos fatos, da história e de seus resultados, que têm sido colocados na conta da Praça do Papa. Não é uma visão determinista e tragicômica como a da série do Fantástico.
É provável que ainda assim se ouça os gritos dos que te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro, pois assim se ganha mais dinheiro, mas é difícil crer que continuaremos fechando olhos e caixões enquanto o rap nos ensina a viver.

Texto originalmente publicado no portal “O Outro”, da PUC Minas.

Raphael Vidigal

terça-feira, 7 de dezembro de 2010


Já está nas lojas o CD e DVD Tributo a Cazuza - ao vivo na praia de Copacabana, com preço que varia entre R$27, 90 e R$29, 99.
O lançamento é o registro do show realizado ano passado, onde Cazuza ressuscita aos 50 bem vividos anos.
Vários tributos têm pontuado a carreira do cantor, e um dos diferenciais deste é justamente o fato de ter sido realizado na praia, dos locais preferidos e mais freqüentados por Cazuza.
Infelizmente nomes de peso e que fizeram parte ativamente da vida pessoal e criativa do poeta ficaram de fora, cedendo o lugar para Preta Gil, Rodrigo Santos, Gabriel Thomaz e Liah.



Bebel Gilberto, Marina Lima, Simone e Adriana Calcanhotto com certeza dariam maior credibilidade a um espetáculo que se propôs a homenageá-lo
O agora VJ da MTV, Lobão, também não estava lá, ele que só para começar foi amigo íntimo e parceiro em composições como Mal Nenhum, Azul e Amarelo, entre outras, além de ser o criador (juntamente com Bernardo Vilhena) de Vida Louca Vida, imortalizada na voz de Cazuza.
Outro esquecido foi Léo Jaime (que atualmente embala Maior Abandonado na novela das 7), responsável por apresentar Cazuza ao Barão Vermelho no início da carreira.
Já Frejat não pôde comparecer por motivo de agenda e teve sua ausência sentida.



Falando dos presentes, Ângela Rô Rô, para quem foi composta Malandragem, sucesso na voz de Cássia Eller, e parceira de Cazuza em Cobaias de Deus, participou pela primeira vez de um tributo ao amigo, e como de costume demonstrou toda sua visceralidade e energia em cima do palco, transmitidas através de sua voz rouca e sua performance debochada, traços marcantes de sua personalidade.
Ney Matogrosso, Caetano Veloso e Sandra de Sá fizeram o que deles já se esperava e formam, juntamente com Rô Rô, o ponto alto do DVD.
Arnaldo Brandão foi quem mais ousou, ao interpretar a lado C, Jovem, rock adolescente de Cazuza gravado por Arnaldo na época do Hanói-Hanói.
Os pecados do DVD estão em contar com convidados pouco conhecidos do poeta, demonstrando falta de critério, e em deixar de fora de sua seleção final Minha Flor, Meu Bebê, interpretada lindamente por Caetano Veloso na ocasião da festa.



O ponto positivo, além dos nomes já citados, é o Making Off que traz os artistas dando depoimentos a respeito do exagerado, Arnaldo Brandão sentencia: “ele era muito preciso quando queria ser cruel”.
Aos 50 anos, nem tão cruel nem tão preciso, um misto entre Ângela Rô Rô e Preta Gil, Ney Matogrosso e Liah.

Segue abaixo a lista de músicas do CD e DVD.

DVD:

1. Por que a gente é assim? - Ney Matogrosso
2. Pro dia nascer feliz - Ney Matogrosso
3. Vem comigo - Zélia Duncan
4. O tempo não pára - Zélia Duncan/part esp.; Arnaldo Brandão
5. Maior abandonado - Caetano Veloso
6. Ideologia - Paulo Ricardo
7. Ponto fraco - Paulo Ricardo
8. Brasil - Gabriel O Pensador/part. esp.; George Israel
9. Preciso dizer que te amo - Sandra de Sá
10. Blues da piedade - Sandra de Sá
11. Vida louca vida - Leoni
12. Mal nenhum - Leoni
13. O nosso amor a gente inventa - Preta Gil
14. Todo o amor que houver nessa vida - Angela Ro Ro
15. Malandragem - Angela Ro Ro
16. Solidão que nada - George Israel
17. Codinome Beija-flor - Rodrigo Santos
18. Jovem - Arnaldo Brandão
19. Beth Balanço - Gabriel Thomaz/Liah/Rodrigo Santos
20. Exagerado - Paulo Ricardo/Preta Gil /Leoni

CD:

1. Por Que a Gente é Assim? - Ney Matogrosso
2. Pro Dia Nascer Feliz - Ney Matogrosso
3. Vem Comigo - Zélia Duncan
4. O Tempo Não Pára - Zélia Duncan
5. Maior Abandonado - Caetano Veloso
6. Ideologia - Paulo Ricardo
7. Brasil - Gabriel o Pensador
8. Preciso Dizer Que Te Amo - Sandra de Sá
9. Vida Louca Vida - Leoni
10. O Nosso Amor a Gente Inventa - Preta Gil
11. Malandragem - Angela Ro Ro
12. Codinome Beija-Flor - Rodrigo Santos
13. Beth Balanço - Gabriel Thomaz/Liah/Rodrigo Santos
14. Exagerado - Paulo Ricardo/Preta Gil/Leoni



Raphael Vidigal

Texto escrito em 2009.

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