Há 20 anos partia Cazuza, e há 26 Júlio Barroso. No mesmo dia do amigo, ontem foi a vez de Ezequiel Neves.
Perdido na selva desde que chegara a este planeta e sonhando com Jack Kerouac, o traficante da liberdade Júlio Barroso despencara de sua janela de beira para o céu até o azul infinito. Era um frio seis de julho de 1984. Nesse dia, o mundo inteiro era um trio de Absurdettes que choravam sua viagem.
Mas não esse mundo com o qual se está acostumado. Era um mundo beat, um mundo anárquico, um mundo onde se trafica poesia. Um ano antes, esse ser colorido que só usava branco e que enxergava além do universo com seus óculos fundo de garrafa perdida no mar com o pergaminho da dúvida fizera um movimento interessante através de uma tal de Gang 90.
Era o movimento da dança. Embora parecesse óbvio, em suas pernas era diferente. Uma esquisitice embriagante, meio Noite e Dia, meio Telefone. Dançando no limiar da dor entre a entrega e o sobressalto.
Mais do que as pernas, que ficavam muito por conta das curvas de suas Absurdettes que iniciavam o espetáculo despencando no palco, ele era a cabeça da Gang. E com aquela cabeça cheia de idéias, loucuras, poesia e revolução ele despencou no palco da vida como despencavam suas comparsas no palco da mentira. Era tudo brincadeira, tudo lúdico, tudo mentira. E onde se está a verdade se não na mais deslavada das mentiras? Essa era a “música pra pular brasileira”, como ele bem definiu.
Já em sua derradeira despedida, cheirando o pó branco que se soltara de suas roupas, estavam Cazuza e Lobão, que naquele momento se viam órfãos de seu ente querido.
O poeta exagerado não imaginava que dali a exatamente seis anos e um dia seria a sua vez de partir. Do amigo que usava branco dos pés à cabeça ele herdara aquele andar despojado, aquela música despida, desbundada, longe dos engajamentos de esquerda da época de Gonzaguinha e Chico Buarque, que só mais tarde ele viria a incorporar em seu balançado com suas ideologias, burguesias e brasilidades.
Nesse trajeto, Cazuza continuou dançando, seguindo os passos do amigo e de sua Beth Balanço. Continuou sonhando, com os poetas beats disse que só as mães poderiam ser felizes. Aquela geração de esperança começara com uma perda, e terminaria com outra. Logo, o fantasma da doença que não ousa dizer o nome levaria silenciosamente milhares deles até o azul infinito. E lá eles ficariam, cantando suas canções, sonhando com seus ídolos, bebendo do branco das nuvens e fumando o amarelo do sol.
Cazuza era Logun Edé, era a cara do Brasil, a cara do deboche, uma mentira sincera, um anjo rebelde que beijava o sexo de homens e mulheres, e que depois de muito voar, voou mais do que longe até o azul infinito. Para se encontrar finalmente com o elo perdido. Júlio Barroso o esperava.
Era o final da década de 80. Encerrava-se nesse planeta material o ciclo daqueles que foram o cordão umbilical do rock brasileiro. E os heróis não morriam mais de overdose, mas de doenças e quedas. Quem poderia dizer que na mesma data de Cazuza, 20 anos depois, partiria também aquele que ajudou a descobri-lo e que foi seu melhor amigo? Ezequiel Neves é o vértice desse cordão umbilical do rock brasileiro.
Fase
Cazuza
Depois que eu descobri que era triste
As tardes ficaram mais azuis
Eu descobri. Eu sou triste
Depois que eu levei porrada
Que os urubus se mostraram
Depois da ingenuidade
Entrei numa fase estranha
Não reviro cores
Não explodo a luz
Estou sentado esperando
Como os velhos palhaços do blues
O namorado que levou um bolo
Um garoto perdido dos pais
Raphael Vidigal
O Retrato de Dorian Gray, publicado em 1891, é o único romance da obra do escritor irlandês Oscar Wilde, que viveu de 1854 até 1900, e tornou-se um dos mais célebres de todos os tempos.
Descrito como um “dos clássicos modernos da Literatura Ocidental”, foi classificado pela BBC como 118 na lista dos 200 romances mais populares.
A história, situada na Inglaterra aristocrática do século XIX, gira em torno de um jovem que apaixona-se por sua própria imagem ao vê-la pintada em um quadro, (reproduzindo em águas novas o mito de Narciso) e faz um pedido para que não envelheça jamais, pois com o tempo perderia a beleza estonteante de seus traços. O suspense sobre seu fim começa quando estranhamente o pedido é atendido.
No entanto, o ponto forte da obra não está no suspense sobre o fim do garoto Dorian Gray, e sim nos diálogos costurados por belas descrições de ambiente e das pessoas ao redor.
Constantes citações a obras de outros artistas de todos os campos (música, artes plásticas, literatura, teatro, etc.) e devaneios estéticos e culturais são o mote principal desse delírio afrodisíaco do dândi rebelde Oscar Wilde.
O Retrato de Dorian Gray, além de sua óbvia crítica à vaidade soa como um mero pretexto para que o esnobe autor do livro possa agraciar seus leitores com suas sarcásticas e debochadas divagações acerca da moralidade de seu tempo (e porque não, de outros tantos tempos).
Os controversos e incoerentes pontos de vista dos personagens nada mais são do que o Retrato de Oscar Wilde, que concede a cada um deles, com toques claros de tintas fortes, um pouco de sua rica personalidade.
Os aforismos do autor retratam com tal sutileza de humor e espirituosidade o ridículo moral que regia e ainda rege complexas e pomposas sociedades, que este livro acabou por condená-lo à prisão não por suas críticas ao casamento e aos lords ingleses, mas pelo conteúdo homoerótico.
Nas palavras de Jorge Luis Borges, Oscar Wilde foi um homem que dedicou-se a “causar assombro com gravatas e metáforas”, conhecendo de perto todos os lados da vida. Apóstolo da frivolidade e hedonista convicto fez do momento e da experimentação sua grande obsessão, e tais aspectos são na verdade os grandes protagonistas de seu romance visual.
Após um polêmico relacionamento com Lord Alfred Douglas, foi condenado a 2 anos de prisão por “cometer atos imorais com diversos rapazes”. Depois de conhecer o glamour e a fama, morreu 3 anos depois ser libertado, pobre e abandonado por familiares e amigos.
Ficou sua excepcional capacidade de descrever a realidade através das palavras. “Sussurros ardis”, diria Chico Buarque.
Personagens:
Dorian Gray: Típico jovem rico e aristocrata da Inglaterra do século XIX, que no decorrer da obra vai transfigurando seus conceitos morais por influência do pensamento de Lord Henry, que se torna seu melhor amigo e confidente. Detentor de beleza física singular encanta homens e mulheres por conta de seus dotes, inclusive a ele mesmo.
Lord Henry: Alter-ego de Oscar Wilde. Aristocrata debochado e culto, que acaba gerando situações embaraçosas por suas divagações sobre a vida, sendo taxado de perverso por quem o conhece. Admirador e defensor convicto da beleza como a razão da vida se encanta pela personalidade de Dorian Gray e faz dele seu pupilo.
Basil Hallward: É quem apresenta Dorian Gray a Lord Henry. Pintor que segue as convicções morais da época, é o responsável pelo Retrato de Dorian Gray, que acaba gerando no jovem a vontade de não envelhecer jamais. Nutre por Dorian uma platônica paixão homossexual e faz dele seu ideal de beleza.
Sibyl Vane: Jovem atriz de teatro que se apresenta em uma pequena e pobre casa da época. Torna-se o grande amor de Dorian Gray, até que ele descobre a verdade sobre esse sentimento.
Ver também: Wilde (1997)
Filme sobre a vida de Oscar Wilde, dirigido por Brian Gilbert. Com Stephen Fry, Jude Law e Vanessa Redgrave no elenco.
Raphael Vidigal