Às artes plásticas nunca coube papel de destaque na televisão brasileira, talvez porque a consolidação da segunda ocorreu justamente no período em que a primeira se marginalizou de vez, através do manifesto neo-concreto assinado por artistas que faziam uso de referências múltiplas (cosmopolitas e provincianas) como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Amílcar de Castro, entre outros.
Qual seria então o lugar marcado para essas artes na atual programação da televisão brasileira? Primeiro é bom referir que as artes plásticas contemporâneas, principalmente a partir desse momento denominado neo-concretismo, nunca aceitaram demarcações definidas, e por isso é tão difícil a tratativa do assunto em um veículo que ao longo dos anos vem se notabilizando por facilitar a compreensão do espectador e oferecer respostas ágeis e práticas. Embora concretas, as novas artes plásticas nunca pretenderam a praticidade palpável e palatável, muito pelo contrário, preferindo em sua maioria o opaco que leva a um lugar de reflexão subjetivo, muitas vezes pautado no caráter físico para representação, mas não necessariamente para consumi-lo em sua esfera, e sim mantendo as portas abertas para a propagação do objeto impalpável, abstrato e lúdico.
Resta então aos canais que não ostentam a necessidade urgente de alavancar picos de audiência e girar a roda da economia que os rege e domina a alternativa para se apresentar programas sobre tema que pode gerar aspereza se comparado às telenovelas de fim de noite. Ou seja, esse tipo de programação encontra-se apenas à disposição dos privilegiados que podem bancar a televisão paga por assinatura, os multi-canais. Nenhuma emissora de canal aberto hoje no Brasil destina espaço para a discussão do assunto em sua extensa programação, muitas vezes ocupada por “cultura e arte” de valor duvidoso mesmo do ponto de vista popularesco. Por pretenderem à obtenção de renda pura e simples deveriam ser melhores classificados como projetos de ascensão social ou atividade econômica através das mídias.
No canal pago pertencente às associações Globo, o Globo News, temos uma interessante iniciativa nesse sentido, com o programa “Starte”, que faz uma brincadeira com a associação “estar arte”, apresentado pela escritora e atriz Bianca Ramoneda, que vai ao ar toda terça-feira ás 23:30h. O horário, como de costume dedicado às artes, é inglório, mas ainda assim é um árduo refúgio para quem pretende saber sobre artes em geral através da televisão.
Com um enquadramento e uma condução bastante formalizados, não é para quem está procurando experiências estéticas através da própria televisão, mas sim para os telespectadores dispostos a apreciarem uma arte, essa sim feita de modo nada convencional, que tem pouca ressonância nos meios comunicativos no país e se relega a uma esquiva elite intelectual pensamente ou dominante (seja economicamente ou por status políticos). O fato é que o cidadão comum, em geral, tem poucas chances de ter contato com essa arte, que mesmo distanciada pelas lentes da separação já é um ganho.
Os conteúdos abordados variam em certa proporcionalidade entre artistas contemporâneos e nomes importantes que já deixaram a cena. Recentemente foi mostrada uma matéria sobre Leonílson, que bordava e escrevia poemas em suas criações apresentadas em tela que abolia o quadro, muito frágeis de serem preservadas, dando a noção da delicadeza interior do artista. Através da entrevista com o curador da mostra em homenagem a Leonílson e dos depoimentos de amigos, também artistas plásticos, que conviveram com ele, conduzida sempre de maneira informal e descontraída, apesar do valor muitas vezes hermético atribuído a esse tipo de atividade por pessoas que são afastadas do contato próximo com as mesmas, obtêm-se um bom panorama da representatividade do homenageado nas artes.
Outros espaços são esparsamente palco do assunto na televisão brasileira, muitos deles em outro canal pertencente às associações Globo, que direciona a maioria de material pouco comercial que chega até ela para as telas do Canal Brasil, (esse sim com excelente programação, rica em estética e conteúdo, sempre buscando inovações). Em programas variados, como “Coisas pelas quais vale a pena viver”, do diretor Domingos Oliveira e sua esposa também atriz e diretora Priscila Rozenbaum, a arte plástica ainda é tratada com sensível presença, como também no “Sem Frescura” do ator acanalhado e genial Paulo César Peréio, que recebe sempre bons convidados, ainda se vê os estilhaços do brilho fugaz que a boa arte, seja plástica ou concreta, emprega à quem se dispõe a recebê-la.
Raphael Vidigal
Imagem: Obra do artista plástico Hélio Oiticica, homenagem ao amigo morto, o bandido 'Cara de Cavalo'.
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