segunda-feira, 7 de novembro de 2011


“Bem no centro da faísca, praça central do coração da chama, a porta de um reino sem durar:” Paulo Leminski


Tinha os olhos amarelos & xadrez. Uma anja preta. Gato a tira-colo. Colo atira gato. No céu de Olinda, ouvia Capiba. No chão de Pedreiras, João do Vale. Farpilhos desfarrapados cobriam a túnica que envolvia cabeça raspada, orelhas furadas e nuca desprotegida. Tudo doía. Nu exposto ao escrutínio.

Exaurida da casca transitória e rija dos gestos. Era um ovo, uma cobra de Tarsila. Verde-rosa. Sambava balé. A ralé ouriçava. Escrevia na tentativa íngreme de ser Maleável e Eterna como as Palavras. Mas escrever não derrama. Impreciso trabalho frágil.

Viu a escada para o inferno de Rimbaud, William Blake, cheiro de enxofre das flores do mal de Baudelaire. Desceu, desceu, desceu a escada encantada de magia e medo. E não havia nada para ser buscado. O pote de ouro explodiu-se em morcegos, faíscas coraram-lhe as faces transparentes, uma lança furou-lhe o umbigo. Mas não havia nada para ser buscado.

Papai e mamãe querem que você seja médica, advogada, engenheira? Querem que você abra corpos, tranque mentes-metais, faça contas dias madrugadas? Ah! Mas e esse caroço entre as veias e o estômago? E essa anatomia de anja preta pervertida a voar?

Os lagartos e lacaios do estado laico do Paraíso sem crença, murmuravam sob seus pés, enrolando-se em suas ancas, escusos e escorregadios, locomovendo-se em comum acordo ao tempo, ao vento, às cousas irrefutáveis, enxugando suores de náusea, rindo quanto necessário, um sorriso amarelo largo, que contrastava com o xadrez de seus olhos, de uma opacidade mórbida, mas viva além do batom & baba brilhante que enternecia o ambiente.

‘Tesoiras só são bem vindas desde que não cortem senão as unhas carcomidas’. Dizia o aviso. Mas as costuras (matéria: artesanato) nem grossas ou finas. Aqui é proibido pensar consigo próprio. Sensações químicas. Emoções somente físicas. Calcula-se e se engarrafa o preço todo. Preste atenção ao trânsito. Sejas preguiçoso, mas não presunçoso. Incômodo. Um alfinete pérola cerrou-lhe as orelhas dispersas. Não tinha sangue praquilo. Esquilo de gazela era o que precisava. Uma poção poderosa. Ademais não havia nada para ser buscado.

Gavetas e guarda-volumes se aglutinavam. Nenhum espaço para uma lágrima pequenina, própria, gota indevida. Vontade de não ligar pra ninguém. De sumir por um tempo. Olho de dentro. Se você está com medo do Buraco Do Enterro. Venha. Despeço. Despedaços. De. Papel. Crepôn. Sufocam-me os asnos, do saber marrom. À forra com teus bulhões! Afora teus grilhões. Lá fora semente e sabor. Sombras e vultos.

Um vulto. Pode-se ver uma sombra. Clara, luz, solar. Torna-se manta. Meninos sujos pelas ruas. Meu coração é um túmulo. Vejo na TV: Os computadores cada vez mais inteligentes quanto os seres humanos. Sugere-se o contrário: os seres humanos cada noite/dia mais inteligentes quanto os computadores. Seres rasteiros-computadores. Pessoas inteligentes-computadores. Computa dores? Adiante, não há nada para ser buscado!

Induzindo o pensamento por correntes marítimas, ondas sonoras de Raio X: o impossível é tachado. Mas a descoberta inócua da veracidade lhes faz bem ao fígado, tão mal aos cabelos que caem em protesto da cabeça desterrada, aquilo que dentro chamam cérebro. A semente-noz do esquilo laranja. Liberdade não é nossa. É a do outro. Liberdade nossa tem ranço autoritário. Lambeu uma página: “a liberdade não resolve a culpa.” Clarice Lispector. Permitir ao outro, sim, é liberdade! Nuvens de Vladimir Kush.

a coisa medíocre corresponde diretamente aos anseios dos homens... a extraordinária espanta, por vezes assusta, e há quem se admire agora me vejo diante da matéria viscosa do homem eu que nunca tive toque para o ordinário; Pintura Número 8, de Pollock.

Funciona-se em público. No banheiro público. Nu sujeito ralo. Ralando o queijo que se acumula. Aquele mesmo guardado. Infectado. Por isso mesmo sentem vergonha sexo – depravação dos sentidos. Pobres de espírito. Ricos de bolsas-calções. Universalizados dentro das faculdades pedidas-permitidas-aplaudidas-necessárias-ao-bom-prazer-o-trabalho-escravo-que-dignifica-o-homem-a-busca-pela-verdade-não-há-nada-para-ser-buscado-maltratado-violado-supra-seres-de-manias-induzidas-clandestinamente-se-frustram-boicotam-se-embora-com-os-coices-alinhados-e-os-sinais-de-alerta-sempre-ligados.

Perdem a leveza. Juntam papéis a peso de ouro. Carregam nas costas, alferes e medidas, mas peses? Hilda Hilst: Love apesar, a pesar e há pesar. Saltou sob as colinas expurgando sóis que lhe racharam a pele de Van Gogh. Afinal era uma cobra, ovo, anja preta. Abriu a casca, trocou de pele, soltou as asas. Que quando você leia essa vida antiga chore pela tua condição irrefutável-indelével. Charme. Vazia e cheia de insensibilidades. Balão de ar indefinido. Indefinidamente sopra bolhas de sabão. Para rumar? Ruminar? Donde? “Meu Deus, me dá cinco anos, me cura de ser grande...” Adélia Prado. Que não havia nada para ser buscado.

E mesmo as palavras já não eram delas, lascando grutas brutas em pedras. O vendaval de areia varria as que se agarravam em tentativa desesperada. Mesmo então, eternas. A fome imensa da terra nutriu-se de sua precariedade obsoleta confusa. E não havia NADA PARA SER BUSCADO.

Raphael Vidigal

Pintura: "Destino", de Salvador Dalí.

4 comentários:

Raphael Vidigal disse...

Ph...
Admiro sua inteligência!
Seus textos não deixam de me surpreender e encantar!
Vc é um cara que acrescenta, que enriquece com palavras cheias de poesia a nossa vida!
Parabéns!
Tenho orgulho de ter estudado ao seu lado e ser uma amiga querida!
Continue sempre assim!
Bjo,
Ana

Alessandra Rezende disse...

Q incrivell!!!!!!!!! e dolorido...

senti medo pelas trevas, angustia e inquietação pelas palavras e, por fim, senti dor.
Dor por sempre buscar o que não vale a pena, a maldita pena de ser quem sou.

Raphael Vidigal disse...

Vidigal é foda, né?Amo os textos dele.

Anna Carolina Pinheiro Lage

Raphael Vidigal disse...

Lobo, hoje tive tempo de ler os contos.

Cara, sensacional! Principalmente o segundo que lí, o Cortes e Costuras.

Sério, simplesmente foda! Continue escrevendo sempre!

Abraços,

Samu

Postar um comentário

Copyright 2010 O Ovo Apunhalado *Template e layout: layla* - Imagem Banner: Salvador Dali