terça-feira, 22 de novembro de 2011


“Deus é a projeção exterior do desejo de perfeição do homem” Feuerbach


Como comemoração ao conto que havia escrito. Desci à cozinha, e quebrei um prato. Seguida, celebrei a vitória com o príncipe negro: Átila. Permita-me não recorrer à figura histórica. É que esse nome, para mim, diz respeito somente a meu conhecido íntimo, e essa é uma das benesses a que me dou o direito.

Um cachorro de personalidade felina: arredio e esnobe. Pouco se mexe quando alguém aproxima. Jamais balançou o rabo. Nega-se a dar a pata. Não se considera um animal da espécie, em suma consciência. As perguntas mais freqüentes que se faz, pois pouco (ou quase nada) se dirige aos outros, são: Qual o sentido da existência? Quando?

Nunca lhe respondi por que a pergunta não é endereçada a mim, e naturalmente respeito privacidades alheias. É dono dum cheiro forte, e olhar guloso. Tem uma bola amarela e vermelha com a qual não brinca. Ocorreu depois de empanturrar-me de bolo de cenoura e chocolate. Fui à sua casinha para uma visita.

Bom anfitrião, não me convidou a passar pelas cercas, nem a me juntar à sua sugestiva agonia. Encontrava-se prostrado. Em sinal de que havia a resposta se julgado a ele apenas diante à sua condição extinta. Sabia que a condição é um destino que debocha sem trazer receita. Inconformado, nunca fora. Não se podia dizer que almejava uma forma para lhe suceder o contrário. Portanto não se lastimava, prostrava-se. Naquele estado em que a razão faz charadas e a emoção acompanha.

A campainha soou em falso alarme, admito que o príncipe negro alimenta-se na hora inexata. Salivou a língua entre dentes pequenos. Todo ele pequeno, terreno, absorto, abstrato. Se um rato passasse à sua frente, bocejava. Conhece a razão das horas seguintes e o incrível compensar do mundo em linhas furtivas.

Antes que eu pudesse esticar a mão, ele ergueu a pata. Ali duas compensações distintas, dois contornos inexatos. Ele, num refrear absurdo de príncipe e cachorro. Eu, numa urgência erma de plebeu e gente. Despedimo-nos ao som da língua que nos ensinaram. Latindo em senil silencioso.

Tudo o que se passou em minha congruência, nem sequer sequei a tocá-lo.

Mas o prato está quebrado.

Raphael Vidigal

Escultura: "La Vague", de Camille Claudel.

5 comentários:

Raphael Vidigal disse...

Oi Raphael,
Simplesmente amei o conto e a referêcia:
_"Personalidade felina, arredio e esnobe".
Todos são ótimos, aguardo que publique
seu livro.
Beijos,
M.Inês

Raphael Vidigal disse...

na hora que vc cita que levantou a mão e o cachorro a pata, lembrei da pintura da capela cistina, de michelangelo
kk

Rodrigo Aroeira Braga

Alessandra Rezende disse...

Gostei muito dessa parte.

"Despedimo-nos ao som da língua que nos ensinaram. Latindo em senil silencioso".

Raphael Vidigal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Raphael Vidigal disse...

Sensacional esse texto zim, se o Átila pudesse ler ficaria contente, ou meio contente, pois talvez
bocejaria e não terminaria de ler!!!
hahah...
Muito bom mesmo!

André Figueiredo

Postar um comentário

Copyright 2010 O Ovo Apunhalado *Template e layout: layla* - Imagem Banner: Salvador Dali