segunda-feira, 25 de abril de 2011

Se mil vezes me perguntarem quem sou, direi: Adélia Prado
Se mil e uma, direi: Rubem Alves




Trôpego em seus passinhos diminutos dos quais debochará mais tarde, vem com mansidão. Desmancha a fragilidade a impressionante voz que encerra quaisquer perspectivas de “últimas apresentações”. Lúdico, lúcido do porte de seus 77 anos ele alquimera (misto de alquimia e quimera) as imagens de velho triste e velho criança, que conclui caixa de ferramentas e brinquedos e com Deus explica as erotizações da fruta pudica maçã e a fruta obscena caqui.

Choro dos corações entrecortados em Hiroshima, onde foram plantados os caquizeiros a vida triunfa sobre a morte, e vítimas fatais se chocaram com a capacidade destrutiva humana: “O mundo é maravilhoso, mas os homens são terríveis. Os homens e as mulheres.” Não discrimina. A vida triunfa sobre a morte. Vaticina.

“Aforismo é um raio que cai na Terra e destrói uma rocha. Nietzsche é o homem transbordante. Os marxistas são uns chatos. Marx é maravilhoso de ler sob culinária. O dono da panela. Os risos da platéia. Movimentos coordenados pela fala; alegria sem objeto, sem prazer. O prazer precisa do objeto. A alegria da lembrança.” É uma graça prestar jornalismo com tantas aspas; nesse caso.

A ironia é tão doce e fere com o riso aberto. Fará pior a seu inimigo tratando-o com cordialidade, sintetiza certo Oscar Wilde pouco ensinado em escolas de ensino básico. E o basicismo que ataca as escolas é ironicamente exposto pelo conhecimento de passo trôpego: “Academia de Letras é uma bobagem. Meu amigo Moacyr Scliar, do qual muito sinto saudade, fez a maior bobagem em aceitá-la. Mas suas histórias são uma delícia. Tanto quanto as de outro escritor genioso do qual o autor dessas linhas não se lembra o nome e que se sentiu honradíssimo em ter sua obra servida de argumento para o vestibular. Acontece que ao tentar responder as questões feitas pelos acadêmicos sobre seu texto e publicadas num jornal, errou todas!!!”

Como é possível destruir uma poesia seguindo os rigores técnicos exigidos pelos avaliadores. Discursa todas as linhas de Cecília Meireles sem nada saber sobre elas. Recusa a musicalidade e se perde todo o contato com a camada espessa da veleidade. Velas de Cecília Meireles. Para entendê-las, é preciso cantar. O canto que está entre as linhas, “nos interstícios”. Ele brinca as palavras. Falta ensinar sobre os livros o prazer de ler um livro. Um livro não serve para nada. Uma música não serve para nada. Uma poesia não serve para nada. Falta ensinar a brincar com elas. Prazerosamente.

“Não se pode ler Mario Quintana de cara amarrada. Um brincalhão. A poesia de Mario Quintana é toda infantil.”

Bandeiras e lutas erguidas com o braço operado e fremes inquebrantáveis de sagacidade: propõe o fim do vestibular; fim do academicismo pernóstico; e expõe idéias em pouco mais de uma hora diante de absortos admiradores que o engrandecem ainda mais com perguntas pouco inspiradas das quais ele é capaz de tirar mel de abelha sem raiva: a resposta para um texto não é uma análise, é outro texto.

Diante de Rubem Alves, Palácio das Artes.

Raphael Vidigal

0 comentários:

Postar um comentário

Copyright 2010 O Ovo Apunhalado *Template e layout: layla* - Imagem Banner: Salvador Dali