sábado, 17 de dezembro de 2011


“linho branco que até o mês passado lá no campo inda era flor” Belchior & Fagner em ‘Mucuripe’


Ouro nas mãos. Perpetua o bramir da noite. Cara lavada, pedra rugosa. Tirada das minas, cavernas, mares. Infindo mover das areias. Não há febre. Mas é preciso cuidado, tato, manejo, para soerguer o tesouro, desvela água.

Mão aflita segurando ouro. Permitindo toque dourado. Cintilante. Autêntica de pálpebras e cílios e cristais. Orgânica. Feita de iodo e pele extenuada de méritos, raias e rédeas. Égua solta no pasto. Vaca no cingir do dia. Oferecendo leite, queijo, alimento: vida.

Incenso e mirra. Presentes dos reis-magos. Cheiro de frágua. Medicamentos vêm dos espinhos. Condenada aos meandros da beleza. Retraio rígido. Ao meu encosto. Obstinada. Conservas o sorriso cativo de menina. Abelha a zumbir no mel. Descora, decora: Ouro nas mãos.

Ferro dos dentes de leite. Sino da língua dos anjos. Afina o instrumento encordoado. Madrigal, serena. Ainda que provisória. Vencem a ira tuas lanternas cerradas, uma em cada lado, sob sobrancelhas. Faróis latejantes, da barriga do umbigo ao seio da mãe.

Prisma. Primar. Refletir. Primazia? Indistintas. Tão eu no seu rodar, chacoalhar de gigantes maçãs adocicadas na boca. Arrasar a pacífica contemplação do amor séquito e cortejo. Vasta aderência úmida do colo. E o amor pode ser sagrado. Arrancado pelo talo. Liberto numa lata de terra e margarida. Desde que bem cuidado. Não suportado, regado com a água presa nos mínimos buracos dum aparelho sem dor. Nem aparatado. Transbordar em cachoeiras alquimias e torturas dum viver solitário a dois.

Ouro nas mãos. Repete comigo. És ouro nas mãos. Nos condões, transpirações, cordões desamarrados amados corações. Cerejeiras não alvas. Obtusas? Não. Sujas. Grudando nas mãos (Ouro). Infiltrando a garganta de desejo líquido e satisfação petulante. Cada chupada mais e mais e mais. Cada caroço coça e roça e moça. Alegria infantil dum encanto humanístico. Na animosidade animalizada do ser.

Ressoar revanchista do ouro. Que adapta e enguiça. Peculiar. Aceita e esbraveja, sem cessar. Há uma baunilha no teu travesseiro, esta noite. Germinada com o meu mais todo, carinho. Escrevendo sonhos, desenhando as cores da tua bondade preciosa. Veloz. Ouro é ouro nas mãos. É volúvel.

Vai pelas encostas, pelas orlas, travessias-travessuras duma mulher criança. Dança e dança e dança. Melancolia casta caçando no escuro. Feroz e sensível. Arapuca dos montes, rara. Volúpia volátil da acolhida chuviscada. Rigidez e água. Gelatina e pirulito e bala.

Um desamparo que lhe aparasse. Um aparador que lhe desamparasse. Eu sou todo fragmentos e gema de ovo e clara. Batidos no liquidificador uma mistura heterogênea escalda. Ouro: impotente vagueia, vagareia, contumaz. Vaga. Sépia. Intimidada pela própria luz.

Bem-Te-Vi Ansiosa, Olhos Em Ponto De Cruz, é de aceitar-lhes a mediocridade. Toda uma sensibilidade refratada. Ouro nos corpos imateriais: mãos e pernas e dedos e coração. Hermética ergue o bico, abre as asas e braços enrodilhados, perpetua sua aurora erma: “Lutando sobretudo contra o próprio preconceito que a aconselhava a ser menos do que era, que a mandava dobrar-se.” Clarice Lispector

Ouro nas mãos. Concentrada em prospecções divididas. Maciça, procura algo já fluido. Adeja campos, colinas, bosques, ilhas, sonos.

Raphael Vidigal

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