segunda-feira, 5 de dezembro de 2011


“Morrer é ser exposto aos cães covardemente.” Maura Lopes Cançado


Eu chorei de felicidade, como há muito não chorava chuva... Os meus contemporâneos são todos inertes refluxos, tenho que amanhecer. Nas profundezas de Goya, espúrios jatos de massa grossa, pastosa, espessa camada sob a superfície viva da vida. “Escrever com sangue”, explode Nietzsche.

É um gozo, um regozijo dançar no lago escuro do amor trêmulo. A arte ilumina redenção aos desesperados. A opulência das carnes defronta o olho vítreo da fome. Violência que brota bruta. “Não escondam a loucura”, pragueja Allen Ginsberg.

Em oposição aos meus ‘conterrâneos’, não pretendo realizar, mas fantasias. Burro em corpo de gente. Calda de espanto futuro. Coruja espia o martírio. “Começou a explorar o Abismo, Plantou um frutífero pomar”, profetizou William Blake. Pois é que “o sono da razão produz monstros”, escritura de Goya.

Enigmática poção, onde vamos deitar os lençóis que envolvem a pele já cheirada de azedo. Goya é meu posso, caldeirão afundo ditos bruxos feitiçaria. Vincos cravados carcomidos pela funda Inquisição? Há movimento na luz e sombras. Prova o gosto onírico, instinto de cavalo alado. Carruagem de anjos negros.

Evoco El Greco. Louco demônio, selvagem. Flores róseas demolindo tosca melancolia. Lúgubres saudades, cristais de lágrimas. “O canto sensato dos anjos se ergue do navio salvador: é o amor divino.” Rimbaud. Música de Beethoven. Que a sua tragédia assim quis que a foice lhe calasse as fadas sensoriais do ouvido. No grito de alcova, o coração em espécie.

Escorre lucidez de Michelangelo ou a loucura de Camille Claudel? Um corpo incompleto, condensado em inventivos órgãos. “Que não te baste nunca uma aparência do real”, adverte o místico Caio Fernando Abreu, e sua música esmeralda. Dentre os cabelos vermelhos de Curupira, queima-me o fogo das gravuras religiosas. Com seu viscoso caldo. “Pois a minha carne é comida e o meu sangue é bebida. Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue mora em mim e eu nele...” João 6.54-55

Exposto nas paredes sem pintura da prefeitura de Belo Horizonte, Goya aliança a imagem de Guimarães Rosa: “O que um dia vou saber, não sabendo, eu já sabia...”. O texto se antecipa a mim. É ele quem diz como ser dito. “Tenho desejo forte, e o meu desejo, porque é forte, entra na substância do mundo.” Fernando Pessoa. Esmeros caprichosos de Goya.

Raphael Vidigal

Pintura: "São Pedro Arrependido", de Goya.

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